terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Dor e construção



A construção de uma nova era de paz e solidariedade acontece por intermédio de um  processo que ocorre sempre de dentro para fora, fluindo do nosso coração para o mundo ao redor. Tudo o que existe fora do homem, antes existiu dentro dele; antes de se colocar a sua frente e materializar-se em palavras, ações ou objetos, passou por processo criativo, foi moldada por subjetividade e produto de abstrações de um mundo singular onde cabe todo um plural.
A humanidade caminha para a bondade, para o que é bom e belo. Assim a natureza fundamental do homem quer; pretende um caminho de flores e bons odores, boas sensações e sentimentos para todos; um caminho percorrido com o Amor. Mas este brota do mais profundo do ser, de sua essência mais pura e divina. Brota do ser uma alma de Deus e para ele, não da satisfação simples de necessidades ou desejos.
A construção de uma nova era de paz é antes fruto do processo de cura de muitas feridas, de muitas trocas de pele -metarmofoses-, muitos vôos, quebras de asas e recomeços. O belo provém da divina dor. A sagrada dor nos torna inteiros, humanos e aptos a construir com beleza e leveza pontes que dão para a felicidade da celebração. Assim como heróis. Mas é preciso lembrar que construir pontes é uma árdua tarefa e, por tanto, dizimada por muitos desencorajados e sem vigor, por inertes que se ocupam em apenas passar pela vida e deixar que ela passe, que o tempo os atravesse, sem sequer refletir e ansiar por um nobre sentido ou lutar por uma causa maior que o saciar dos desejos do ego de uma forma tão egoísta quanto destrutiva.
Tudo isso se vincula muito bem com a velha história da porta larga e porta estreita por onde escolhe-se passar:
“Entrai pela porta estreita, porque larga é a porta, e espaçoso, o caminho que conduz à perdição, e muitos são os que entram por ela; e porque estreita é a porta, e apertado, o caminho que leva à vida, e poucos há que a encontrem”. (Mateus 7.13-14)
A porta estreita representa a vida espiritual, a esperança, luminescência, enquanto que a larga representa a morte, uma vida sem luz, mortificada pelos desejos da carne, por sombras projetadas de um interior débil que nada aprendeu a cerca de ser humano, de uma subjetividade e inteligência inaproveitada e atrofiadas. A luz, essa energia explendorosa, sensível e intensa onda eletromagnética, só pode ser vista, sentida e refletida por aquele que nas trevas mergulha com ousadia e fé; este sai com bem aventurança.

Diante disso, podemos pensar:
  • Por quais portas acabamos por optar passar e como passamos por elas?
  • Estaríamos despertos para aprender com as dificuldades e facilidades postas em nosso caminho na viajem-jornada que representa a vida?
Se tiverdes apenas um infemo desejo e coragem de parar para se perceber neste sentido, lhes digo: queres navegar pelos mares do crescimento e evolução, constatou-se como espírito para além de carne. Tal como uma árvore frutífera, pretende, com seus profundos sulcos, se alimentar de sais minerais e nutrientes para ser capaz de gerar bons frutos e assim  responsabilizar-se por seu objeto diante da vida natural e social.
Assim, por mais que já tenha escolhido e sentido o doce sabor das portas largas e algum desabor na passagem por portas estreitas, talvez se permita deixar-se ensinar pela dor do variável grande prazer de uma vida que merece ser vivida com afinco, em prol de um todo. Onde o que merece verdadeiro empenho para se obter é o valor que se encontra nas boas emoções exprimidas por sopros de vida fora de nós, como em sorrisos em rostos alheios. Isso nos realiza.

Laís Larissy

sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Dia do músico: 22 de novembro




Deus mora na presença de uma ausência; o Amor mora lá. A música existe na presença de uma ausência, ela se faz, em mesma proporção, silêncio e volume de som acontecendo no embalo de ondas sonoras ao passo que em seu compasso não pode ser vista por sonolentos olhos. Toca a alma, traz anima ao ser e faz isso sem demora. Instaura uma revolução interior; a música abre portas. Células, figuras ou motivos ganham vida e corpo na dança do avivamento provocada por uma unidade de energia vitalícia que se propaga no espaço-tempo; a música acontece.
O músico é como um portal de combinações harmoniosas e expressivas de sons que leva pessoas a mundos distantes, emoções perdidas, cidades esquecidas, sentimentos inconstantes; ele te rapta para ápices de emoções em apenas instantes e como nunca antes. O músico sensivelmente nos porta para perto do pai com suas traduções rítmicas da realidade inconstante em ser; em sua música ele é uma variável constante do amor, harmonia, alegria e paz, assim como das lágrimas do mundo.
A música do músico amarra a gente, une os corações, aquece a alma e nos põe a sentir, deixando-nos a refletir. Sem música a realidade dura desta vida seria ainda mais estonteante e insana.
Obrigada doce harmonizador e equilibrista pelo ser sensível que és, por sua criativa mente, por transportar para símbolos e figuras, partituras, canto as partículas dessa vida que assiste como espectador e como protagonista é afetado, dessa melodiosa vida que em sociedade e comunhão com Deus se desdobra.
"Como pode tanto talento, criatividade e sensibilidade existir dentro de uma só pessoa… Mas existe! Você é uma inspiração! Parabéns e Feliz Dia do Músico!" (Autor desconhecido)

Laís Larissy

                            Santa Cecília, rogai por nós.

domingo, 23 de junho de 2019

Tu és pedra?

Escolher ser pedra seria optar por ser morte em vez de vida. Por que não ser uma frágil semente de onde as plantas podem nascer, florescer e então morrer? Sementes frágeis são paradoxalmente mais fortes que as pedras duras.
Viver de memórias, de passado é viver morrendo de saudades. Entretanto, não vejo espaço para a singela vida nesse gigantesco moedor de grãos. Tudo bem, tudo bem, sei que nas "saudades" é onde Deus firma sua morada, já que mora na presença de uma ausência; o amor mora lá. Contudo a memória, por si só, nos faz moradores das ausências. Toda vez que uma memória é lembrada, com ela podemos nos transportar, viajar até o passado. É só que o segredo é saber viver na presença de uma ausência. Se prender a só remememora é ser pedra.
Um conjunto de memórias definem a identidade de um indivíduo. De forma que supõe-se que a estrutura física e as conexões estabelecidas pelo cérebro estão sucetíveis as serem modificadas e transformadas a partir do movimento de criação de novas memórias, as quais são produzidas por intermédio de novas experiências. Somos seres compostos por mutabilidade e adaptabilidade.
Assumir a dimensão espiritual do ser é o despertar para a vida. Aprende-se a viver em meio a presença de uma ausência, a animar a alma ao invés de mortifica-la e esgota-la. Aprender o desejo pela vida nos remete a negar a imutabilidade pétrea, a mesmice, a verdade absoluta; o desejo de morte e optar por criar novas memórias e alimentar o processo criativo. Como bem diz Rubem Alves: trate de voar nas costas do vento para compreender o que é que a espiritualidade significa. O espírito é livre, é leve, voa e se regogiza. Os homens dizem amar a liberdade, mas de fato se aprisionam como fazem com pássaros colocando-os em gaiolas e tratam de ter péssimos hábitos como carregar pesadas bagagens na viagem-jornada e não perfumar sua alma. O Drummond tem poema lindo que fala sobre essas Almas perfumadas:

"Tem gente que tem cheiro de passarinho quando canta. De sol quando acorda. De flor quando ri. Ao lado delas, a gente se sente no balanço de uma rede que dança gostoso numa tarde grande, sem relógio e sem agenda. Ao lado delas, a gente se sente comendo pipoca na praça. Lambuzando o queixo de sorvete. Melando os dedos com algodão doce da cor mais doce que tem pra escolher. O tempo é outro. E a vida fica com a cara que ela tem de verdade, mas que a gente desaprende de ver."

O ter vontade é a excelência humana, entretanto, essas vontades devem apontar para o alto, para o mundo sensível e leve, abstrato onde tudo muda e se transforma, onde tudo é possível, não para a realidade pétrea da terra dura e pesada.
O Rubem Alves traz mais um alerta quando diz: "Os homens são pássaros que amam o voo, mas têm medo dos abismos." Talvez se faça necessário refletir sobre as muitas bagagens pesadas que carregamos por aí nas costas. Pode ser que sejam fardos preenchidos por alfinetes, facas, tesouras que nos inclinam pra trás, ferem nossas asas e nos impedem de voar. Mas estamos internamente e de forma inconsciente, muitas vezes, carregando. Coragem! Força para abrir seus olhos para uma nova realidade, a do voo. O medo de sofrer te impede de viver; é pior que o próprio sofrimento.

Laís Larissy

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Bastar-se a si

Uma crônica de LLpoetiza

Síntese:
O júbilo da gente, pessoas simples, acontece com a despretensão do ser; o prazer se esconde por aí, pelo viver-se assim como se é, incumbido pela tarefa de dar bons alimentos a alma através do processo do conhecer-se a si.
                                   _____

Dentre a fumaça dos carros, a poeira das vadias ruas e tantos altos edifícios, Edmundo, com suas esguias pernas compridas, camufladas por seu ordinário jeans azul desbotado, jornadeava. O menino andava altivo em seus pensamentos, erguido em sua postura, com seus olhos perdidos e distantes pela realidade embaçada. Em que Edmundo pensava era uma incógnita constante em ser até mesmo para si.
Enquanto se movia pelos espaços paralelos e paradoxais era atingido por mísseis e balas de fusis disparados por lentes  observadoras que não se ocupavam de olhar para seus umbigos, enquanto o Sr. do destino, o tempo, passava e os saboreava e mastigava em vida.
Por vezes, o hermético garoto grego  retirava de sua pesada mochila um grande escudo para fazer sua defesa instantânea daqueles ataques dos insdiscretos olhares. Retirava ele uma capa da invisibilidade-como a da Hermione do Harry Potter-; só queria percorrer seu trajeto sem grandes observações sobre sua pessoa. Talvez, caminhasse querendo ser o que já era, o que já havia descoberto ser, um nada. Sim, ele descobriu a felicidade em ser um nada. Contudo, isso era o total oposto do ser um bosta ou ninguém.
O nada e o ninguém... nada representa a simplicidade, clareza, despretensão, naturalidade, enquanto que o ninguém representa a inércia, comodidade, ignorância, falta de afetamento com mundo. Ele, com certeza, andava com suas roupas pelo avesso. Mas sem querer, sem nenhuma pretensão, era representação do desavesso. Sua camisa era preta, a cor da razão.
Andava por aí, entre o vai e vem das pessoas, quando esbarrou com um conhecido seu e de seus pais. Para seu maior desconforto e colossal tragédia, este o encurralou com desafortunadas perguntas, que tinham a forma das de novelistas bisbilhoteiros:
  - Ei, cara! Eai? Anda fazendo o que da vida? Em que tu é bom, rapaz? Gosta de fazer o que? Trabalha em que? Estuda o que? Sabe sobre isso ou aquilo?
Conversando com desconhecidos que não lhe eram incomuns, observava a sede e o deserto em seus olhos ilhados. Esse tipo de gente sempre o leva para um corredor e o encurrala entre seu personagem e o muro; querem que veja o que querem mostrar-lhe e dele procuram tirar algo.
Esses fulanos, do bolso retiram a indagação, uma arma cruel e a apontam em nossa direção, sem reação, pensar é a reação instantânea; calcular a direção, como a palavra SAÍDA(EXIT) iluminada de uma sala de cinema. Ver se torna inevitável, é preciso avistar, mirar e encarar a interrogação flutuante em cima daquela cabeça pensante a vista. Acima da nossa paira uma exclamação após um PLUFT! Que devagar, após devagar pelos pensamentos vorazes a cerca de todo acontecimento, depois de dar aquela leve e perspicaz respirada, sinônimo de "acalmamente", se transforma em pontos finais e vírgulas pontuais.
Em contrapartida, dentro dele, Edmundo, escrevia fazendo uso de reticências durante todo diálogo esquadrinhador e espiolhento. O crítico lhe causava o mesmo arrepio de uma criança piolhenta. E ele continuava sendo nada. Pode ter sido várias coisas naquele dado momento de gerar pensamentos, no decorrer do "Quis". Até porque nos utilizamos de aquarela e pintamos uma tela no decorrer dos momentos, mas não passa de um reflexo estonteante de quem éramos naquele pequeno período de tempo; eramos sombras em cavernas. A imagem foi construída por cima de um momento psíquico estabelecido, a datar, pelas últimas notícias, últimas experiências, produto de escolhas de um curto flash de existência.
Ele foi tudo o que podia-se imaginar fundamentando-se nos elementos expostos naqueles átomos de tempo. Enquanto isso, não era nada. Porque a nada nos resumimos. O homem se reduz a pó e ao pó retorna. Ele pode ser tudo enquanto nada é.
Naquele tempo, Edmundo, foi tudo e nada; representação do céu e do inferno em um imaginário totalmente alheio ao seu, enquanto esta outra mente lhe fazia severas críticas e vorazes julgamentos que nem sempre ficavam sob as sete chaves do silêncio da mente. Os julgamentos sempre escapam pelo cano de descarga, sempre estão nos olhos, nos pesos das palavras, nas atitudes que mentem dizendo não querer dizer nada.
O jovem rapaz terminou o papo e se foi insatisfeito, verificando o que lhe havia restado nos bolsos após assalto. Bobo percebeu que mais forte se sentia, porque tudo em si cabia e um jeito tinha dado naquela situação esquadrinhadora e espiolhenta; percebia que bastar-se a si mesmo era o que lhe cabia. Deixou para trás as sombras de uma realidade de julgamentos e preocupações de agradar um bando de gente vazia. O terror não mais o podia acometer e o vazio não preenchia seu ser. Ele era Edmundo, o único do mundo, um hermético menino que deu a luz a um novo universo de eventos onde importava e afetava, em primeira mão, a si, seu ser. Sabia do seu singular posicionamento no tempo-espaco e não era consumido e cegado pela ambição de ser alguém que lhe era estranho, alheio.
O espelho a sua frente refletia a sua a sua face quando despertou para essa nova realidade. Edmundo, o único do mundo.

LLpoetiza

sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Transtornos de tempo na modernidade


Bate seis horas me bate o desespero. Quando o céu escurece a fobia me dilacera, atropela. Quero atropelar a noite, essa que vem se achegando. Os tons claros de azul, laranja e amarelo vão abrindo alas para tons de azul escuro; e dentro de mim um rebuliço acontece. Não sei se aceito muito bem os finais de tarde. Sinto que o dia já terminou. É como se não existisse mais tempo para nada. A noite é só noite: vaga e vazia, representatividade de um final de dia, e por mais que assim eu a diga, as noites são essencialmente elucidativas. Como, de que outra forma, poderíamos ver os outros astros brilhantes no céu, se uma nova tonalidade forte e segura de azul não o cobrisse? O outro lado da moeda. Se vê uma face quando a outra é ocultada.
Modernidade... tráfego intenso e constante de pessoas, veículos, objetos, sentimentos; inconstâncias. Na verdade, tudo faz mais é permutar entre frágeis estágios  de permanência. As emoções estão em desequilíbrio. A rapidez como tudo acontece acomete meu sentir doído por ser meu agir letalmente letárgico perante afazeres e tantos medidores de velocidade pelas pistas da sociedade. Seguindo a moda da agilidade e desapego, desapegaram-se de aprender a ser humano e de respeitar o tempo que o tempo tem. Não pense muito! Faça, faça, faça. É o lema do tempo que é dinheiro, que vale muito, que vale tudo.
O homem perdeu o controle sobre si, sobre o ser e não pretende admitir. Terrível arte da manipulação por "status", terrível espírito de pobreza. Querem aniquilar a espiritualidade, o sensibilismo, o afeto. Já vejo virando a esquina o devaneio, o caos, a desrazão, a doença. A ação reduzida, a mente pouco nutrida, o ser que nada é e não se pensa quer ação e continuidade do fluxo intenso de emoções constantes e equilibradas, ele quer paz e harmonia quando não vive em si, enquanto se joga para fora em um ato misto de coragem, vaidade, cobiça e desespero.
As vite e quatro horas que compõe o dia estão passando e parece que só resta lamentar e tentar correr contra o tempo para produzir tudo o que se pensou e planejou o dia todo ou por dias, sem perceber o tempo se esvair. Agonia. Parece que só na noite posso ser produtiva. Estranho, talvez, engano.
Quando percebo a luz natural que entrava pela janela tornar-se fraca, olho para o relógio e se já são umas cinco e trinta da tarde começam as lamúrias, recriminações, vontade de fazer e fazer em meio a uma crise ansiosa. Sem perceber já levei meus dedos a boca e no segundo tempo já vejo o sabugo. O ataque de ansiedade sempre me faz destruir essas super ferramentas naturais chamadas unhas que vestem a ponta dos dedos. Droga. A cada pensamento uma lasca.
A noite... não sei quem sou a noite. Só que já não sou a mesma de quando o sol clareava minha face e dava um realce às cores. À noite tudo muda. Pássaros não cantam ou passeiam pelo céu, morcegos roubam a cena. Cachorros não latem para dar alertas, uiavam e latem por solidão. As ruas tornam-se vazias e vadias, os  comércios se encontram apagados e fechados. A noite as pessoas se entocam ressaqueadas das altas doses de 'stress' ingeridas ao longo do corrido dia, enquanto corriam contra o tempo o atravessando e atravessando a si. Corpos falidos, consciências pressionando os travesseiros... insônia, indigestão; insatisfação é rotina do mesmo ritual noturno de todo Santo dia. Grilos cantando ao luar; murmúrios de uma multidão silenciada.

L.L.

quinta-feira, 12 de julho de 2018

O assalto

sexta-feira, 13 de julho de 2018

Não era para ser comum e não entendi a calma como tudo aconteceu. Patrícia caminhava com seus cabelos revoltos contra o vento e com um sorriso contido entre a expressão de alegria que moldava seu semblante. Não sonhava com a possibilidade de sofrer com qualquer sentimento que lhe causasse forte tensão àquela altura do campeonato. Revivia em sua mente algum momento de extrema alegria, futricava sua memória; e como todos os que vivem no mundo da lua, não percebia nada do que acontecia ao seu entorno. Uma ideia leva a outra e dirige rumo a um estado de relaxamento. É que sabe, é uma delícia deitar sobre uma nuvem flutuante de algodão e se deixar levar...
Caminhava por uma rua escura e vazia; vadia, sem ao menos perceber-se uma presa fácil, com aquela cara de moça inocente abobada. Parecia uma abóbora no halloween.
Era mais um dia frio e chuvoso de um rigoroso inverno que acometia a planície Goytacá. E Paty havia acabado de ingerir uma dose extra de um êxtase da paixão. Caminhava com suas emoções a flor da pele; se deleitava ao sentir as fortes vibrações que a paixão secreta havia despertado em seu íntimo segregado. O perigo lhe era desejável e fonte de estímulos, fonte de prazer agudo e refinado. Ela não abandonava o perigo e o perigo não poderia jamais abandoná-la. Pensando bem, talvez devesse se abster de olhar através das janelas das quais tinha acabado de perceber um campo vasto e repleto de belas rosas.
Ela caminhava querendo ir e não mais voltar por aquele caminho de dúvidas certas e embaraços constantes. Mas dava seus passos programados e flutuantes sabendo, em seu âmago; inconsciente, que necessitava sentir a ameaça do assalto das emoções. O assalto de emoções incontidas fragmentava sua consciência, sua alma que só queria experienciar, ter algo a saber; mais molas impulsionadoras para divagar sobre seu sentir e pensar.

Ia em direção ao ponto de ônibus onde esperaria uma condução; uma luz ou talvez uma sombra que a levaria a uma realidade distante. Chegou. Foi só o tempo de devagar em seus pensamentos mais um pouco, enquanto via as gotas d'água sendo iluminadas pelos faróis dos carros e percebia o fluxo intenso dos veículos naquela pista principal... Um cara que já estava na chuva, de bike, encostou com uma desculpa muito esfarrapada de que queria se proteger da água que já o havia molhado o suficiente para ter se conformado e seguido em frente até seu destino.
Ele passava como quem não quer nada e olhou duas, três vezes antes de decidir parar para fazer mais uma vítima. Paty o encarou na terceira vez. Infeliz momento, infeliz decisão. Havia se estabelecido ali uma conexão que abriria espaço para um momento turbulento de grande tensão. Sua ousadia ou curiosidade- ainda não sei bem- a domou e tombou. Foi do céu ao inferno e já lamentava essa estadia.
 Era um encapuzado que farejava com um instinto canino as pessoas nas ruas por onde passava. Ele a olhou, pescou o seu olhar e já foi se achegando desastrosamente com uma pergunta irregular:
- Só estou querendo esperar a chuva passar tá? Po, posso ficar aqui?
Fazia a pergunta e  de forma agitada e insegura já abandonava a bicicleta no meio fio. Perguntava como quem sonda o território do medo de sua presa. Ele queria o medo, esperava o horror para estabilizar sua força, para garantir, logo a princípio a sua vitória. Mas ela o mostrou a indiferença:
- Ah! Pode sim, claro. Chega pra cá.
Não esteve nervosa, não aparentemente, ele não podia perceber que tinha medo. Ele, malandramente, veio cheio de papo doce. Só não conseguiu impedir que seu corpo e suas ações não falassem muito sobre si. Estava igual a um lobo querendo devorar sua presa; com seus olhos arregalados cheios de sede e sangue. Ela o recebeu com sutileza e foi gentil. Sagazmente alimentou o papo com aquele homem estranho que lhe era motivo de reboliço interno, para tornar o ambiente menos tenso, no intuito de acalmar seus nervos, inclusive; e os seus sentimentos de medo e raiva antecipada. Ela não queria perder seu aparelho celular pelo qual ainda pagava às prestações.
Depois, o cara esquisito, a perguntou com seus olhos arregalados, perdidos e sedentos, da hora. Sua boca salivava.
Ela disse com sua naturalidade:
- Eu estou sem nada aqui, sem relógio...
Nesse momento ele mostrou muita insatisfação e ficou nervoso, com ar de quem duvida. Ao passo que também nada poderia fazer com aquela fadiga, ou, podia...  mas engoliu a seco enquanto maquinava outra forma de levar alguma vantagem. Parecia estar em abstinência de substância química, estava nervoso e agitado, com seus olhos perdidos e balançar inquieto do corpo e  movimento constante das mãos.
Acendeu um cigarro para esperar melhor e como que querendo pensar em algo mais rapidamente, antes que sua presa fosse para longe de suas garras.  Mas uma van que ia em direção ao centro chegou e raptou-a. Patrícia foi salva pelo gongo.
Subindo na van olhou para trás, lembrou-se de se despedir do jovem rapaz que havia a levado para fazer uma estadia no inferno. O cobrador fez a porta correr, ela pôs um de seus pés no degrau para embarcar no alívio e na paz, quando se virou e perguntou ao capiroto amigavelmente, antes de dizer tchau:
- Qual é o seu nome mesmo?
Por frações de segundos o frio parecia ter congelado o tempo que se arrastava enquanto esperava a resposta da criatura. Foi uma anestesia e um assalto inverso. Fora ele interrompido e arrastado pelo inverso de sua intenção; vagarosamente e  meio que envergonhado respondia a pergunta como que não esperando por tal final.
Seria falta de educação ir sem despedir-se do Satã e de seu rito.

L.L.

quarta-feira, 11 de julho de 2018

Exalando paixão

Meu bem,
Você me faz bem.
Meu bem,
Você me faz querer ser alguém.
Alguém no universo,
Alimento do seu orgulho, de um modo mais correto.
Manutenção da sua vaidade não destrutiva,
Força do seu querer,
Objeto dos teus desejos.

Amor, me consuma!
Me devore por dentro,
Mas não me dilacere a qualquer momento.
Não mate você, esse meu forte sentimento;
Sou eu escrava dessa paixão
E a ti já me rendo.

Amor,
Sinto arder e queimar aqui dentro todo um ardor intenso.
Já somos na cama uma só canção,
Gozamos juntos da mesma emoção.

Ambição,
Quero me ver no brilho dos teus olhos,
Fazer brilhar teu riso,
Levar você a sós a um paraíso.
A um paraíso de gargalhos, desejos e carícias sem fim.
Levarei você à terra encantada que há aqui,
Dentro de mim.

Você me é um querer constante,
Ao seu lado sou constantemente apaixonante,
Amante,
E as lentes da realidade se alteram.

-Você já viu lá fora?
  O dia está lindo-.

Olhe pra mim!
Estou em estado de demência mental
E não sei se essa zonzeira me é fatal.
Minha mente parece estar alcolizada;
A razão já não comanda quase nada.
O agora é minha parada,
Ponto final da estação.

A paixão é mesmo engraçada,
Desvairada.
Deleito-me agora em projeções da mente.
Mil retratos teus se fizeram presente.
Às vezes...
Pensar em você me é inconveniente;
Você me rouba do tempo presente.
Meu amor por você é algo inocente.

De forma incoerente,
No arder dessa paixão,
Ainda consigo ser prudente.
Um pouco,
Se é que me entende.

L.L